“Voluntário” - do latim voluntarious, “que se faz por vontade”. Foi a vontade de ajudar, de contribuir para um mundo melhor, que levou já vários jovens da freguesia a S. Tomé e Princípe.
Tal como Ruben Ferreira (edição de fevereiro do Luz da Serra), também a Maria João, o João Maia e a Marta Marques estiveram na ilha onde cada um contribuiu com um pouco de si. Maria João coordenou missões, Marta ajudou na área da saúde comunitária e João Maia na área da energia. A ilha do “leve-leve” deixa boas memórias e João recorda que inicialmente ia por 3 meses mas lá, precisou de mais tempo para se “despedir” e adiou a viagem duas semanas. Numa coisa são unânimes: ali é surpreendente como “se pode ser feliz com tão pouco”.
Em São Tomé de setembro a novembro 2022, e de fevereiro a março 23
Como surgiu a ideia de S. Tomé? A ideia de ir a São Tomé surgiu quando iniciei o meu trabalho na WACT, uma ONGD (Organização Não Governamental para o Desenvolvimento) que tem como missão mudar o mundo através do empoderamento de pessoas e que desenvolve as suas atividades em Portugal e em São Tomé e Príncipe. Quando iniciei funções, apesar das minhas responsabilidades serem sobretudo cá em Portugal, sabia que teria em algum momento, que ir a São Tomé. Ao longo dos meses, fui percebendo o trabalho que desenvolvíamos, conhecendo melhor a cultura santomense, presenciando as experiências dos voluntários e o bichinho começou a crescer. Em setembro de 2022 surgiu o novo desafio profissional e foi aí que viajei para São Tomé.
Qual o primeiro impacto ao chegar? Recordo-me claramente da sensação que tive quando saí do avião e senti um calor tão grande e diferente que alguma vez tinha sentido.
Quais as maiores dificuldades/desafios encontrados? Sinto que fui extremamente bem preparada para São Tomé e, por isso, tive bastante conhecimento sobre a cultura, sobre a forma como funcionava o país e sabia como deveria estar com as pessoas. Acho que o facto de ter sido escuteira durante tantos anos, fez com que estivesse habituada a lidar com alguns desafios que encontrei e a banalizar muitos privilégios que temos no nosso dia-a-dia em Portugal e que lá não existem. Diria que o principal desafio para mim foi mesmo conseguir realizar e cumprir todas as minhas responsabilidades, visto que na altura assumi duas funções na organização.
O que foi fazer e em que área prestar voluntariado? A minha ida a São Tomé foi em contexto profissional. Na altura era Gestora de Operações da organização cá em Portugal, e acabei por assumir simultaneamente o cargo de Coordenadora de terreno em São Tomé. Portanto, as minhas responsabilidades em São Tomé passaram por representar institucionalmente a organização, coordenar os voluntários nas atividades que estavam a desenvolver, assegurar que estavam a ter uma boa experiência e que estavam bem em termos de saúde física e mental. Além disso, estabeleci novas parcerias com organizações e entidades santomenses, realizei toda a gestão dos programas e procurei diariamente que o impacto que eu e os voluntários estávamos a criar fosse positivo.
Como qualifica a experiência e o que mais marcou? Foi sem dúvida das fases mais bonitas da minha vida. Cresci muito a nível profissional e também pessoal. O que mais me marcou foram as pessoas. O povo santomense é muito recetivo, caloroso e fez me sentir verdadeiramente em casa. Muitas vezes ouço: “Como é que são tão felizes com tão pouco?”, acho que a minha resposta para esta pergunta é o facto de darem mais valor às pessoas e ao pouco que têm.
Durante toda a minha experiência em São Tomé tomei banho de caneca, fui buscar água em garrafas e garrafões, vivi com baratas, aranhas e lagartixas. Não vi televisão, não tive transporte próprio, tive que racionar água e lavar a minha roupa à mão. Não tive muitas coisas que cá, no nosso dia-a-dia, são questões com que não nos temos que preocupar e a verdade é que lá, mesmo sem todos estes privilégios, eu senti-me em casa e feliz. Aí percebemos que quando somos mais despidos de benefícios e bens materiais é que percebemos o que nos faz realmente felizes. Quer em Portugal ou em São Tomé.
Esta experiência mudou-a(o) enquanto pessoa? Como e em que sentido? É praticamente impossível não nos mudar. Sinto que dou muito mais valor às pessoas, aos momentos que passo com a minha família, amigos e aos pequenos gestos do dia-a-dia. Lembro-me que a primeira vez que voltei foi na altura do Natal e fez-me muita confusão toda a azáfama das prendas e a correria a comprar bens materiais. Nesse Natal eu optei por não dar presentes, mas arranjar forma de passar tempo com os meus.
Quais considera os pontos mais sensíveis/maiores necessidades e os pontos mais fortes do país e dos seus habitantes? São Tomé é um país lindíssimo, com uma enorme beleza natural. Tem um verde que nunca vi, um povo muito simpático, recetivo, caloroso e com a melhor fruta e peixe que alguma vez comi. Contudo, ainda precisa de fazer chegar a eletricidade e água potável a toda a população. As estradas precisam de ser arranjadas e claramente que é necessário existir uma reformulação na educação e formação dos jovens. O sistema de saúde precisa de muitos profissionais competentes e de materiais para que consigam realizar os exames necessários. Vemos muitas organizações e pessoas a realizarem doações. Claro que São Tomé precisa de material, mas acima de tudo precisa de capacitar e formar as pessoas. De que vale oferecer computadores, se não sabem mexer neles? De que serve doar livros do ensino português, quando as estações do ano, os rios e a geografia é totalmente diferente lá? Mais que saber doar, este país precisa é de pessoas que colaborem com eles.
Há alguma história que tenha marcado? Há muita coisa que me marcou e que guardo com carinho. Conheci muitas realidades e as que mais me marcaram foram de meninas que têm uma vida bastante complicada e que vivem condicionadas numa sociedade altamente machista, mas que mesmo assim tentam ao máximo seguir os seus sonhos e não desistir.
Gostaria de voltar? Claro que sim. São Tomé está no meu coração e é um país onde tenciono voltar mais vezes.
Em S. Tomé durante 3 semanas (novembro de 2023)
Como surgiu a ideia de S. Tomé? Sempre tive vontade de fazer uma missão de voluntariado, era um sonho por realizar, fazendo scroll pelo Instagram encontrei uma ONGD que fazia missões de voluntariado em São Tomé e Príncipe, abri o link e inscrevi-me, estava na hora de viver o sonho que tinha.
Qual o primeiro impacto ao chegar? Uma volta atrás no tempo, por mais informação que tenhamos de como é a realidade do país, só lá é que se vê e sente, um calor que não conhecemos no nosso país, um cheiro muito característico, edifícios e recursos muito diferentes dos nossos.
Quais as maiores dificuldades/desafios encontrados? A primeira maior dificuldade é não haver energia algumas horas por dia, a energia em São Tomé podemos dizer que é racionada. A segunda é ter de racionar água, 5 litros de água por dia para tomar banho e, por último, os mosquitos. O maior desafio foi encontrar maneiras diferentes de transmitir conhecimentos à comunidade, um desafio que completei com êxito.
O que foi fazer e em que área prestar voluntariado? A área da minha missão foi saúde comunitária um projeto em conjunto com a Santa Casa da Misericórdia de São Tomé. Entre lares e escolas primárias fiz simulacros com as crianças e idosos e ensinei o básico dos primeiros socorros aos funcionários dos lares e das escolas.
Como qualifica a experiência e o que mais marcou? Uma experiência inesquecível, o que mais me marcou foram as pessoas, a felicidade das pessoas, a maneira como elas vivem a vida.
Esta experiência mudou-a(o) enquanto pessoa? Como e em que sentido? Não sinto que me tenha mudado, mas ensinou-me a dar mais valor aos bens que temos aqui, o simples facto de termos água na torneira ou ter um interruptor que dá luz é um bem que não tinha noção que tinha.
Quais considera os pontos mais sensíveis/maiores necessidades e os pontos mais fortes do país e dos seus habitantes? A educação da população é algo que faz falta, com isto quero dizer, muitos dos adultos não sabem ler nem escrever, muitas crianças também não, o lixo é um ponto também a melhorar.
As pessoas, a comida e as paisagens são os pontos fortes de São Tomé.
Há alguma história que tenha marcado? Não uma história em específico, mas a cultura do país é extraordinária, apanhar boleia de iace, de jipe ou numa carrinha das obras era o prato do dia, música não falta na boleia nem pessoas dentro da hiace, 16 pessoas no total que contei numa boleia que apanhei! A comida preferida é a fruta, pão, banana, manga, ananás, café e o bolo de banana e o arroz da Alexandra.
Gostaria de voltar? Sim sem dúvida voltava já amanhã, já tenho saudades!
Em S. Tomé de agosto a dezembro 2023
Como surgiu a ideia de S. Tomé? A ideia de fazer voluntariado num ambiente completamente diferente do que estou habituado já vinha de há uns anos atrás. Já tinha tido algumas experiências em Portugal e boas experiências, mas não me preenchiam por completo. Precisava ser diferente, ser maior, de me levar mais perto do limite. E a verdade é que o continente Africano numa me saiu da ideia. Quando ouvi falar do projeto onde estive, “Bô energia”, não pensei duas vezes.
Qual o primeiro impacto ao chegar? Um sorriso incontrolado. Tudo era como descreveram, mas mais intenso. Os abraços de boas vindas no aeroporto e a viagem de “Hiace” até casa com música santomense tão alta que impedia entender qualquer tentativa de conversa.
Quais as maiores dificuldades/desafios encontrados? A maior dificuldade foi de longe conseguir materiais e ferramentas para fazer os trabalhos que estive a desenvolver. A falta de recursos é enorme e as poucas coisas que existem vêm do Líbano, têm fraca qualidade, a preços bem mais altos do que estamos habituados e impossíveis serem compradas pelo comum São Tomense.
O que foi fazer e em que área prestar voluntariado? Integrei um projeto que pretende ser uma alternativa ao carvão vegetal, intensivamente utilizado em São Tomé e Príncipe, de forma a minimizar o abate de árvores. O abate incontrolado coloca em risco não só a existência de algumas espécies endémicas, como a própria sustentabilidade do país. Uma das minhas funções foi dirigir a construção da primeira fábrica de briquetes a um (pequeno) nível industrial. Além disso, construí uma prensa manual de briquetes para poder testar diferentes tipos de biomassa antes da chegada da máquina industrial automática. Tive ainda oportunidade de apresentar o projeto e discutir parcerias com carpintarias/mercenarias e mesmo com membros do Governo (incrivelmente acessíveis).
Como qualifica a experiência e o que mais marcou? 10/10. Fiz, gostei e repetia. O que mais me marcou acho que é transversal a qualquer pessoa que visite São Tomé. A leveza da vida. A felicidade nas coisas mais simples, o desapego a tudo menos às pessoas e a facilidade com que se fazem amigos.
Esta experiência mudou-a(o) enquanto pessoa? Como e em que sentido? O impacto de uma experiência destas é sempre difícil de medir, mais ainda quando acabámos de chegar. É demasiado fácil esquecermo-nos da simplicidade em que já estivemos na correria do dia-a-dia, mas tenho a certeza que nos momentos em que precisar de parar para pensar e tomar uma decisão importante para mim, São Tomé me vai ajudar a escolher aquilo que mais importa.
Quais considera os pontos mais sensíveis/maiores necessidades e os pontos mais fortes do país e dos seus habitantes? Não posso deixar de evocar um documentário que vi em São Tomé de um produtor cinematográfico português para falar dos pontos mais sensíveis. Chama-se “O peso do leve-leve” e faz-nos questionar onde está a linha que separa a leveza de viver da preguiça de fazer. Acho que São Tomé não só precisa de um novo Governo que apoie o povo e não pense apenas nos interesses pessoais, mas também de um povo unido que lute pela mudança. Os pontos fortes das pessoas são sem dúvida a amabilidade e hospitalidade e do país são a diversidade e a fertilidade. É um país verde, com muita água e a natureza é absolutamente incrível.
Há alguma história que tenha marcado? Quando se pesquisa por São Tomé, a primeira coisa que aparece é uma rocha pontiaguda, super alta e estreita de origem vulcânica, mas cuja forma ninguém sabe muito bem explicar. Escusado será dizer que tinha de a ir ver, de tão perto que pudesse tocar nela. Pedi a um guia local, o Ostel, mais ou menos da minha idade, que me levasse lá. Em pouco mais de 10 minutos de caminhada já tínhamos criado ligação. Quatro horas depois estava em casa dele a comer peixe grelhado e banana cozida. Duas semanas depois, deu-me casa e levou-me a conhecer outras partes da zona que tinham ficado por ver. Três semanas depois estava a mandar-me polvo (por ele pescado) e cocôs (por ele apanhados) para que pudesse trazer para Portugal e comer com a família. É esta simplicidade que nos marca.
Gostaria de voltar? Vou voltar. Não sei quando, mas vou voltar. Não quero só ver aquele projeto que agora também é um bocadinho meu, maior e a dar frutos, como quero ter tempo para estar com todas as pessoas que conheci e criei ligação. Quero ir os sítios que fui e adorei e aos sítios onde não fui e queria ter ido.